1.Introdução
Este texto tem como objetivo apresentar os procedimentos e resultados do
projeto Mapeamento dos desastres frente às mudanças climáticas: São João del-
Rei. A área de estudo é o Setor Censitário Colônia do Marçal, localizado na cidade
de São João del-Rei, Estado de Minas Gerais, Brasil. O Setor é composto por 15
bairros e cresceu mais de 320% na última década para áreas com altas e baixas
altitudes e declividades, como serra e margens de rios, respectivamente. Sua rede
de coleta de águas pluviais e fluviais foi expandida, mas não modernizada que
gerou nas redes de conexão principal uma sobrecarga de fluxo de água sem
manutenção para receber quantidade maior do que o previsto no projeto de
implementação (Zacharias, et al. 2021). A precariedade da manutenção e o
aumento da impermeabilização das áreas e a canalização de rios geram, a cada
período chuvoso, alagamento de ruas, prejudicando o trânsito de veículos e
pedestres e colocando a vida da população em risco. A figura 1 mostra a localização
da área de estudo.
Figura 1: Mapa de Localização do Setor Colônia do Marçal
O objetivo geral do projeto foi mapear as vias sujeitas às inundações e aos
alagamentos no Setor Colônia do Marçal que permitisse a emissão de alertas
durante o período chuvoso. Os objetivos específicos foram coletar dados com o
Street Complete, Mapillary e Kobo Toolbox; coletar dados em jornais locais e mídias
sociais sobre as inundações e alagamentos no Setor e indicar os graus de risco de
cada via durante o período chuvoso no Setor.
O projeto tem o intuito ainda de contribuir com o objetivo 11 da Agenda 2030,
que é tornar as cidades e comunidades mais inclusivas, seguras, resilientes e
sustentáveis. A meta até 2030 é reduzir a quantidade de óbitos e prejuízos
econômicos, sociais e ambientais (ONU, 2015). No Brasil isso é um imenso desafio,
principalmente diante das mudanças climáticas, que tem intensificado as
ocorrências das inundações e dos alagamentos e aumentando os prejuízos e os
óbitos de pessoas e animais a cada período chuvoso.
Ao longo dos anos com o crescimento urbano rápido do Setor para áreas
com baixa e altas declividades e ineficiência da infraestrutura para coleta de águas
pluviais e fluviais têm resultado em alagamentos nas vias principais do Setor como a
Avenida 31 de Março, Avenida Luiz Giarola, Avenida do Contorno, Rua Domênico
Randi, Rua José Eugênio de Almeida, Américo Longati e a Rua Monsenhor Silvestre
de Castro.
Neste contexto, no projeto usou-se as Tecnologias da Informação Geográfica
gratuitas como o Mapillary, OpenStreetMap e QGis, bem como Aeronave
Remotamente Pilotada para mapear as ruas e avenidas suscetíveis aos
alagamentos e inundações no Setor Colônia do Marçal e disponibilizá-los em um
repositório online (GITHUB).
2. Procedimentos para Coleta de Dados
Os procedimentos metodológicos compõem 4 etapas principais de acordo
com o período proposto: 1) Coleta de dados com o Mapillary; 2) Levantamento de
dados em jornais locais; 3) Levantamento aéreo na área com ARP e 4) Criação de
um Github.
A coleta de dados com o aplicativo Mapillary foi planejada cuidadosamente
para garantir a qualidade das informações. As imagens foram capturadas por meio
de smartphones, abrangendo as ruas e avenidas previamente identificadas como
suscetíveis aos alagamentos e inundações.
Primeiramente, verificou-se horários e dias com trânsitos menos intensos
para a coleta de dados. Em razão da grande extensão das vias mapeadas, os
trajetos foram realizados com veículos (carros). O mapeamento foi realizado nas
seguintes vias: Avenida 31 de Março, Avenida Luiz Giarola, Avenida do Contorno,
Rua Domênico Randi, Rua José Eugênio de Almeida, Américo Longati e a Rua
Monsenhor Silvestre de Castro.
Os dados sobre o histórico das inundações foram pesquisados em sites e redes
sociais (facebook) que disponibilizam informações locais como Jornal PopNews,
Rádio Emboabas, Rádio Campo das Vertentes e vídeos disponibilizados no
YouTube e postagens de moradores no Facebook, bem como consultas a bases de
dados de projetos anteriormente realizados na área de estudo.
Para gerar produto de qualidade e atual, já que a imagem de satélite
disponibilizada no OSM parece ser anterior ao ano de 2019, coletaram-se
fotografias aéreas com uma Aeronave Remotamente Pilotada (ARP) da marca DJI
Mini 2. O planejamento dos voos foi realizado no software QGroundControl e no
aplicativo Litchi, disponíveis para sistemas Android e iOS. Na coleta adotou-se a
resolução espacial de 6 cm, com sobreposições longitudinais e laterais de 75% e
65%, respectivamente. Os parâmetros estabelecidos foram: velocidade de 8 km/h,
altura de voo de 85 metros acima do solo, tempo máximo de voo de 25 minutos,
intervalo de captura das imagens de 14 segundos e posicionamento da câmera a
90º em relação ao solo. (Oliveira, Ventorini, 2023).
O processamento das fotografias aéreas foi no programa OpenDroneMap (ODM). O OpenDroneMap é um software de código aberto projetado para processar
imagens aéreas capturadas por ARP e transformá-las em produtos geoespaciais
como ortomosaicos, modelos 3D e nuvens de pontos. O processamento no
OpenDroneMap envolve várias etapas, incluindo:
Importação: As imagens captadas pelo ARP são importadas para o software.
Correção: O ODM calibra as imagens com base nos parâmetros de voo e nas características ópticas da câmera, corrigindo distorções e ajustando a geometria das imagens.
Características e Correspondência: O software detecta e associa pontos de interesse comuns entre as imagens para calcular a posição e orientação das fotos.
Reconstrução 3D: A partir das correspondências entre as imagens, o ODM cria uma nuvem de pontos densa e um modelo tridimensional da área.
Geração de Ortomosaicos: O software utiliza a nuvem de pontos e os dados das imagens para gerar ortomosaicos de alta resolução, que são imagens ortorretificadas (ou seja, corrigidas para eliminar distorções).
Uma vez criadas, as ortofotos são preparadas para publicação no Open
Aerial Map. Primeiro, as ortofotos são convertidas para um formato compatível com
a plataforma, geralmente TIFF ou JPEG, e são organizadas em camadas
geoespaciais apropriadas. É essencial garantir que os metadados associados às
imagens, como data da captura, coordenadas geográficas e informações sobre a
qualidade da imagem, sejam incluídos e corretamente formatados.
Em seguida, a ortofoto é carregada na plataforma Open Aerial Map. O
processo de upload inclui a inserção dos metadados e a configuração de atributos
que facilitarão a visualização e a consulta das imagens pelos usuários.
3. Resultados e Conclusão
A coleta de dados com o aplicativo Mapillary abrangeu uma área de 18km e
um total de mais de 3.500 fotografias. Durante a captura, enfrentou-se desafios
devido às condições precárias das ruas, com muitos buracos. Tais fatos,
ocasionaram solavancos no veículo que alteraram a posição da câmera,
dificultando a captura contínua de imagens da: Avenida 31 de Março, Avenida Luiz
Giarola, Avenida do Contorno, Rua Domênico Randi, Rua José Eugênio de Almeida,
Américo Longati e a Rua Monsenhor Silvestre de Castro localizadas na Colônia do
Marçal e na Colônia Giarola (Figura 2) .
Figura 2: Demonstração de área de Mapillary
As fontes de dados locais, como jornais e postagens de moradores, foram
fundamentais para validar e complementar as informações mapeadas e
possibilitaram a organização do Quadro 1.
A análise histórica indicou que as áreas mais afetadas por alagamentos e
inundações no Setor Colônia do Marçal são: Avenida Luiz Giarola, a Avenida do
Contorno e a Avenida 31 de Março. Esses pontos críticos estão localizados
próximos ao córregos que foram canalizados e com grau elevado de
impermeabilização. Como consequência, toda a drenagem da região é direcionada
para esses córregos, sobrecarregando o sistema e resultando em frequentes
transbordamentos (Figura 3).
Além desses fatores, a urbanização intensa sem o devido planejamento da
infraestrutura para coleta das águas pluviais e fluviais contribui para o agravamento das inundações. A impermeabilização do solo impede que a água da chuva seja absorvida naturalmente, aumentando o volume de escoamento superficial que é conduzido para o córrego. Essa situação é exacerbada pela falta de manutenção e
limpeza regular das galerias pluviais, que muitas vezes estão obstruídas por lixo e
detritos, reduzindo ainda mais sua capacidade de escoamento. A figura 4 mostra um exemplo de córrego canalizado na área de estudo.
Figura 4: Córrego canalizado na Avenida Luiz Giarola
Os ortomosaicos resultantes foram disponibilizados no Open Aerial Map
(figuras 5 e 6),que é uma plataforma de código aberto que permite a publicação,
compartilhamento e visualização de dados aéreos, como imagens de satélite e
ortomosaicos. Após o upload no OAM, os ortomosaicos ficam acessíveis para
consulta e análise por meio de uma interface de mapa interativa, facilitando o
acesso e a integração dos dados com outros sistemas de informação geográfica
(SIG).
Figura 6: Esquema de inserção de ortofoto no OpemArialMap
A utilização combinada de diferentes métodos de coleta de dados, como o
Mapillary, o levantamento de dados históricos e o uso de Aeronaves Remotamente
Pilotadas (ARP), foram eficazes para o mapeamento e análise de áreas suscetíveis
aos alagamentos, sendo importante para a obtenção de uma visão geoespacial
abrangente da área estudada. As imagens aéreas e processadas no
OpenDroneMap permitiram a criação de ortomosaicos de alta resolução. A
integração dessas diferentes fontes de dados aumentou a precisão das informações
obtidas.
4. Considerações Finais
O projeto "Mapeamento dos Desastres Frente às Mudanças Climáticas: São
João del-Rei" teve como objetivo apresentar uma análise detalhada dos
procedimentos e resultados obtidos na área de estudo do Setor Censitário Colônia
do Marçal, em São João del-Rei, Minas Gerais. Por meio do mapeamento das ruas
e avenidas identificaram-se as principais ruas e avenidas com susceptibilidades às
inundações.
Os resultados mostram que os moradores do Setor Colônia do Marçal enfrentam diversos riscos durante o período chuvoso, especialmente relacionados às inundações. A análise dos dados históricos juntamente com as informações geoespaciais permitiram indicar os graus de riscos das ruas e avenidas. Conclui-se que os objetivos do projeto foram alcançados e que o mapeamento pode contribuir para a geração de alertas em dias de chuvas intensas.
Autores
Júlia Gabriela Fernandes Teixeira - “Discente em Geografia na UFSJ e líder do capítulo Unificar Ações e Informações Geoespaciais (UaiGeo) da YouthMappers. Como bolsista PIBEX, participei do projeto "Mapeamento Colaborativo do Patrimônio Arquitetônico de São João del-Rei" em parceria com o IPHAN. 2024 YouthMappers Leadership Fellow.’’
Profa. Dra. Silvia Elena Ventorini - “Possui graduação Licenciatura em Geografia (2004), mestrado em Geografia (2007) e doutorado em Geografia (2012), pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) - Campus de Rio Claro. Atualmente é Professora Associada II da Universidade Federal de São João Del-Rei. Tem experiência em Geocartografia e Ensino e Cartografia Digital.”
Ana Luísa Teixeira - “Graduada em Geografia pela Universidade Federal de São João del-Rei. Bolsista CAPES e Pós-graduanda no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de São João del-Rei. Foi líder do capítulo Unificar Ações e Informações Geoespaciais - UAIGeo UFSJ, vinculado à rede mundial YouthMappers, onde realiza projetos de mapeamento de comunidades ribeirinhas no município de Tefé - AM e na cidade histórica de São João del-Rei. 2021 Young Explorer National Geographic.”
Rafael Quetz Marques Oliveira - “Graduando em Geografia pela Universidade Federal de São João Del Rei, integrante do capítulo Unificar Ações e Informações Geoespaciais - UAIGeo UFSJ, da rede mundial Youthmappers, atuando com Mapeamento no munícipio de Tefé - AM e na cidade histórica de São João del-Rei.” 2023 2024 YouthMappers Leadership Fellow.’’
Ana C. F. Ribeiro
Laís Sessa (Iphan)
Hugo Frizzoni Candian - “Atualmente faço parte de uma iniciação científica da Universidade Federal de São João Del-Rei. Graduação em andamento na área de Geografia, com ênfase em bacharelado. Faço parte como membro da YouthMappers. e também como integrante do capítulo Unificar Ações e Informações Geoespaciais - UAIGeo UFSJ ”.
Ana Lara Santana de Almeida
Nathan Damas - "Possui Graduação em Engenharia Cartográfica e de Agrimensura, mestrado em Ciências Geodésicas e atualmente é doutorando em Ciências Geodésicas com foco em Cartografia, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Membro fundado do primeiro capítulo da rede Youthmappers no Brasil, o Mapeadores Livres UFPR, e atual Embaixador Regional Youthmappers no Brasil. Participou do 2023 2024 YouthMappers Leadership Fellow".
Connect with the authors: @uaigeoufsj @youthmapperslatam
Referências
Oliveira, R. Q. M., Ventorini, S. E. (2023). MODELAGEM DE ÁREAS SUSCETÍVEIS ÀS INUNDAÇÕES NO SETOR COLÔNIA DO MARÇAL SÃO JOÃO DEL-REI, MINAS GERAIS. Revista Territorium Terram, 6(Edição Especial 1), 159–168. Recuperado de http://www.seer.ufsj.edu.br/territorium_terram/article/view/5306. Acesso em: 02 ago. 2024.
ONU Brasil. Organização das Nações Unidas do Brasil. A Agenda 2030. 2015. Disponível em https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. Acesso em 06 de ago. 2024.
ZACHARIAS, Andrea; TEIXEIRA, Ana Luisa; VENTORINI, Silvia Elena; FERREIRA, André Barbosa Ribeiro; SANTOS, Thiago Gonçalves. A cartografia de síntese e as estruturas verticais e horizontais da paisagem em ambientes urbanos suscetíveis à inundação. Revista do Departamento de Geografia, São Paulo, Brasil, v. 41, n. 1, p. e177185 , 2021. DOI: 10.11606/eISSN.2236-2878.rdg.2021.177185. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rdg/article/view/177185 . Acesso em: 2 ago. 2024.
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